A geração que trata tudo como descartável
Foi com a minha geração que começaram a surgir as primeiras fraldas descartáveis. Foi nas nossas festas de aniversário que começaram a aparecer copos de plástico, garfos de plástico e pratinhos de papelão. Fomos os que começaram a levar suco em caixinhas para a escola, ao invés de precisar trazer a garrafa de volta para casa. E assim fomos aprendendo a viver uma vida descartável.
Os brinquedos iam e vinham. Tudo plástico. Não aprendemos a tomar cuidado, como foi com nossos pais e seus bonecos de porcelana. Caiu, caiu, sujou, sujou. Riscamos brinquedos com canetinha. Já já vinha um novo.
Fomos crescendo e o raciocínio não mudou muito. Não víamos muito sentido quando nossos pais falavam em costurar a mochila ao invés de comprar uma nova. Os preços dos produtos chineses já nos guiava para o consumo do novo e não para o cuidado com o velho.
O problema já seria grave se ele tivesse ficado apenas nas prateleiras de lojas e supermercado. Já seríamos perigosos o suficiente em termos ecológicos. Mas o raciocínio do descartável foi muito além dos bens de consumo.
Somos a geração dos relacionamentos descartáveis. Dos empregos descartáveis. Das paixões descartáveis. Das ideias descartáveis. Dos amigos descartáveis.
Até temos alguns amigos da vida inteira, sim. Para os quais costumamos não ter muito tempo na agenda. Mas temos sempre amigos novos. “Me adiciona no feice”. Adoro a fulana. Ela é fantástica. Estive com ela duas vezes. Ih, ela apagou o Facebook. Dois dias depois já nem lembro da fulana. Uma mina aí que eu conheci não sei onde.
Sentamos no bar, temos ideias fantásticas, começamos a debater e- espera, chegou um whatsapp aqui- que que a gente tava falando mesmo? Sei lá. As ideias não são concluídas, não são escritas num papel, não viram palavras. São, como de costume, descartadas junto com os guardanapos sujos na mesa.
Descobrimos novas bandas. Eu AMO essa banda. Ouço ininterruptamente por 7 dias. Falo para todo mundo que é a melhor banda do mundo. No oitavo dia, enjoo. Descarto. Vou procurar a próxima.
Entramos no estágio. Aparece uma viagem no verão. Pedimos as contas. Comprometimento? Ah, eles encontram outro estagiário logo. Somos contratados para um emprego. Seis meses depois aparece uma proposta que paga um pouco mais. Sei que eles contam comigo até o fim do ano, mas tenho que cuidar dos meus interesses. Meus planos. Minha vida. Eu, eu, eu. Contratos de trabalho descartáveis.
E os relacionamentos… Ah, os relacionamentos, nem se fale. Pessoas passaram a existir para preencher agenda. Se eu não tiver nada melhor para fazer, ligo para ela.
Quero você. Não quero mais. Quero você. Mas não quero me envolver. Quero você. Desde que você não me cobre. Quero você como eu quero. Queria você. Agora quero outro. Te quero de novo. Me enganei, não queria não. Noite na balada, namoro, noivado, casamento. Tudo descartável.
Pessoas viraram bitucas de cigarro. Ideias viraram copinhos de café. Paixões viraram post-it.
Somos das carreiras que nos consomem. Achamos que nosso corpo é descartável. Falta sono, sobra álcool. Achamos que o afeto pelos nossos avós mora no post de uma foto que será apagada ou esquecida. Não temos tempo para ouvi-los. Mudamos de amores como quem muda de ideia, mudamos de ideia como quem muda de roupa.
Somos a geração do raso, da água pelas canelas. Não mergulhamos fundo. Não sabemos o que é profundidade. Livros curtos, conversas rápidas. Fluidez. A gente acha que é rocha, mas a gente é gelo. E derrete, evapora, desaparece. Uma geração que trata tudo como descartável e que termina por ser, ela mesma, tão descartável quanto uma garrafa pet. Com a diferença de que a garrafa será reciclada e nós… Nós deixaremos algumas selfies como legado.
Texto de Ruth Manus
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